terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mundo digital : uma reflexão segundo Ubaldo Ribeiro

Com tantas discussões a respeito do fim dos livros que ouço constantemente desde que entrei na faculdade em meados de 1995, já ouvi muitas histórias sobre isso. Com o lançamento dos livros digitais, essa discussão voltou com carga total. Outro dia, aqui onde trabalho muito falamos a respeito disso e, mais uma vez reafirmo (se estou certa, não importa) que o livro não vai acabar, logo, não me preocupo com isso. O escritor João Ubaldo Ribeiro escreveu essa semana um texto que, pelo que vi, está repercurtindo bastante na net. Já vi o texto em vários blogs e, mesmo assim, acho que vale a pena postar. É muito bom! Como tudo que escreve.


Futuro tecnológico - texto original saiu no jornal O Estado de S. Paulo, 18/10/09)


Olho para o monitor à minha frente e lembro como, faz tão pouco tempo, eu estaria diante de uma pilha de laudas em branco, ajeitando pelo menos duas delas na máquina de escrever, com uma folha de papel-carbono ensanduichada entre elas. Os erros eram apagados com uma sucessão de xis e as emendas feitas laboriosamente a caneta, resultando disso um texto imundo e desfavoravelmente comparável a um papiro deteriorado.Dicionário era na base do levantamento de peso e da lupa de leitura e descobrir se o nome de um sujeito era com q ou com k às vezes demandava até pesquisa telefônica. E, depois de escrever a matéria, ainda se tinha de enfiá-la num malote e rezar para que chegasse a tempo.Hoje acho que teria dificuldade em encontrar papel-carbono para comprar, a juventude nem sabe o que é máquina de escrever, os dicionários, enciclopédias e até papiros deteriorados estão a um par de cliques de distância e tudo, de textos a ilustrações, se manda por via eletrônica.Claro, ninguém ou quase ninguém tem saudade dos velhos tempos trabalhosos, até porque não adianta e quem não gostar pode descer do bonde. E minha situação não é diferente, mas de vez em quando fico pensando em certos progressos e cá me acorrem algumas dúvidas.Uma das vantagens atuais em que mais se fala é a possibilidade de trabalhar em casa que agora muita gente tem, em vez de se engravatar, pegar transporte ou se estressar de carro e comparecer a um escritório todos os dias. Há cada vez mais felizardos que trabalham de bermuda, sem camisa e até à beira de uma piscina, almoçam comidinha caseira e econômica, estão na vida que pediram a Deus. Mas acho que, se, em certos casos, isso é verdade, em outros nem tanto, pelo menos a longo prazo. Será que é melhor mesmo não conviver mais com colegas, não participar do bom e do educativamente chato que a convivência diária no trabalho enseja? Será que podemos mesmo dispensar, sem grande prejuízo, as amizades feitas assim, a experiência e o conhecimento que assim nos adviriam? E, se essa prática dá certo no trabalho, por que não dará na escola? Os estudantes teriam aulas pela internet, com diversas vantagens sobre o sistema atual, dispendioso e cheio de riscos, ocasionados até mesmo pela convivência com colegas violentos ou inconvenientes.Não tenho tanta certeza dessas vantagens, como acho que pelo menos alguns de vocês também não têm.Sei de gente que dedica todas as suas horas vagas à internet, no sem-número de grupos de que se pode participar.Assim mesmo, não sobra tempo para responder à enxurrada diária de e-mails e mensagens variadas. O contato pessoal direto, já ameaçado pelo medo que temos de sair (embora também tenhamos medo de ficar em casa, a vida é dura), se torna, para a turma mais radical, um risco desnecessário, uma coisa até meio passée, quando dispomos de recursos como os programas de conversa e as webcams.Tudo muito certo, tudo muito bom, mas me incluo no time dos que acham que, nesse passo, vamos nos resignar de vez a viver em tocas e morder, se por acaso toparmos inesperadamente um semelhante. Esse progresso para mim é retrocesso.Assim como, do ponto de vista do leitor, tenho certeza de que encontrarei companheiros de ideal, em relação a esse negócio de máquina de ler livros, dos quais aquele em que mais se fala é o já famoso Kindle. Para quem não gosta de livros e apenas os usa porque precisa e não pode evitar, com certeza terá utilidade. Para quem tem necessidade de ler notícias apressadamente, também. E, enfim, quebrará o galho de uma porção de gente, em áreas que nem podem ser bem previstas agora.Mas, para quem gosta de ler, como eu e vocês (se não gostassem, não estariam lendo isto aqui, achariam coisa melhor para fazer sem muita dificuldade), as trapizongas que estão criando para se ler já chegam causando perplexidade por uma razão elementar, que não pode deixar de ter ocorrido a quem quer que haja pensado um pouquinho sobre o assunto.Antes dessa tremenda invenção, qualquer um podia pegar um livro e lê-lo, tendo como equipamento indispensável, no máximo, uns óculos. De agora em diante, se a moda pegar, isso acabará sendo inviável. Escapame à compreensão o progresso contido num livro que requer um aparelho — e não tão baratinho assim — para ser lido, quando hoje não se precisa de nada, basta saber ler.E já vêm aí os vooks, Deus nos valha.Os vooks são livros que também incluem outros elementos, tais como depoimentos de voz, barulhos, clipes de vídeo, peças musicais e assim por diante. Nesse caso, por que não ir logo ao cinema ou assistir a um DVD? Para que descrever cenas ou relatar episódios, se eles podem ser mostrados com o mínimo de intermediação possível? Por que escrever um livro — indagação, no meu caso pessoal, algo inquietante — e não fazer logo um filme, com todos esses elementos, que a palavra escrita não dá? Claro, alguma coisa não tem sido bem pensada, nessa história toda. Há quem argumente que, progresso ou não, é a realidade e esta aponta na direção da obsolescência do livro. A fundamentação principal, segundo a qual o livro dá muito trabalho ao leitor, tem como derradeira consequência lógica a de que, no futuro, o que hoje se consegue com a leitura se conseguirá sem esforço, por meio de uma injeçãozinha ou da implantação de um chip no cérebro. Quanto ao trabalho, principalmente mental, que o livro dá ao leitor, pergunta-se: a ideia não era essa? Com certeza não chegarei até lá, mas antevejo o dia em que o livro impresso será apresentado como a última novidade.

4 comentários:

Argentino Neto disse...

Pegar, sentir, ver, folhear, sublinhar... isto é infinito...
João Ubaldo, sempre adorável, sempre uma figuraça...
Boa garimpada Roseli.
Grande abraço.

Fábio Siqueira disse...

Olá, Roseli. Trabalho na Edelman, Agência de Comunicação Online da Samsung. Compartilho da mesma opinão manifestada pelo escritor, Ignácio de Loyola Brandão, que disse “Não interessa o suporte, o que interessa é que a literatura não vai morrer”. Também gosto muito do livro impresso e acredito que a tecnologia influenciará os padrões de leitura de maneira positiva. Não penso que recursos audiovisuais possam substituir o conteúdo de um livro, seja ele impresso ou digital.

Roseli disse...

Oi Argentino, obrigada pela visita.
Abraço

Roseli disse...

Oi Fábio,
Prazer em recebr voce por aqui. Olha, sou uma pessoa aberta a todas as novidades e confesso que já me deixei seduzir pela tecnologia. É uma ferramenta a mais para usufruirmos da informação e leitura. Não sou extremista, nem saudosista. Amor livros, adoro ler mas procuro estar sempre antenada com as novidades e, que sejam bem vindas! Quanto ao livro, jamais irá acabar. Temos ferramentas de leitura para todos os tipos e gostos dos usuários. Valeu pela visita e volte sempre.
Abraço