quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Doutor, eu não consigo perder peso, eu não consigo gostar de ler

Sempre fui a favor de um trabalho em conjunto entre professores e equipes de bibliotecas desenvolverem projetos de incentivo a leitura com alunos de todas as séries. Em minha humilde opinião, acredito que é um trabalho ininterrupto pois quanto mais cedo se desenvolver o gosto pelos livros e pela leitura, e se estender aos longo dos anos escolar até o término do ensino médio, mais facilidade no entendimento dos textos eles terão. Muitas escolas iniciam belos trabalhos no período do ensino infantil até aproximadamente o 5º ano. Daí, ao passar para o 6º ano em diante, quebra-se todo esse trabalho e o aluno perde o contato mais contínuo com livros e leituras. A maioria passa a ler somente as leituras obrigatórias e, mesmo assim, passam apenas os olhos pelo texto sem absorvê-lo de fato. Mesmo o bibliotecário que lida com os alunos pré-adolescentes e adolescentes não costuma desenvolver alguma atividade relacionada a leitura pois a maioria acredita que não surtirá nenhum efeito positivo. Mais uma vez volto a dizer que não estou generalizando pois tenho conhecimento de profissionais que têm feito belíssimos trabalhos. Mas todos sabemos que essa é a realidade de uma minoria. Todo esse discurso é para apresentar um texto do renomado professor conhecido de todos que lidam com a educação Celso Antunes. Encontrei esse texto e resolvi partilhar com vocês. Espero que gostem tanto quanto eu.

“Pois é, doutor, adoraria perder uns sete ou oito quilos, mas não consigo. É bem verdade que não abro mão da minha feijoada aos sábados, jamais deixo de lado uma bela macarronada e nada trabalha tão bem pela minha auto-estima que devorar enormes porções de tortas, carregadas na calda de chocolate...” Essa conversa expressa a clara incongruência entre o que se deseja e o que efetivamente se faz para a transformação de um sonho em realidade. A mesma metáfora, acreditamos, aplica-se ao fato de os jovens não gostarem de ler e por isso, dedicarem muito mais tempo ao telefone ou à lanchonete, à televisão ou aos video games que aos livros. Assim como não basta apenas desejar perder peso, menos ainda basta apenas reclamar que os alunos deveriam dedicar-se mais à leitura. O essencial é fazer com que eles aprendam a gostar de ler. Mas como isso é possível? A resposta é bem mais ampla que a gentileza de parcas sugestões, pois envolve desde hábitos familiares até valores efetivamente exercitados no lar e na escola, desde um conceito cultural que se tem de “valor humano” até a contracultura que nos assedia e o consumismo que nos envolve. No entanto, a amplidão da resposta não impede que algumas sugestões práticas possam, ainda que parcialmente, minimizar o problema. Essas sugestões ancoram-se na premissa de que, em uma escola onde se considera importante o hábito da leitura, existe uma ação coordenada de todos os professores em todas as disciplinas e de que a leitura não representa uma inglória missão somente do professor de Língua Portuguesa. Então, vejamos:
  • A escola disponibiliza acesso fácil à biblioteca, estimula sua freqüência, mantém-na atualizada em livros e periódicos? O(A) funcionário(a) responsável por ela é realmente um leitor apaixonado, sempre a procura de “cúmplices” para compartilhar o que descobre e o que aprende a cada dia?
  • Será que professores de todas as disciplinas – ou da maior parte delas – reservam uma ou mais aulas mensais para promover “círculos de leitura”, trazendo para a sala de aula textos, reportagens, sínteses ou outras matérias com questões interessantes e pertinentes ao tema que está sendo trabalhado, e solicitam a contextualização das atividades de leitura desse dia aos conteúdos específicos que em outras aulas foram desenvolvidos ou pretende-se desenvolver?
  • Será que os professores elaboram perguntas instigantes, curiosas, envolventes e engraçadas, cujas respostas somente podem ser conquistadas em livros ou revistas diferentes que, na oportunidade, sugerem, levando seus alunos a pesquisarem sobre o tema em diferentes leituras? Será que marcam aulas específicas para o exame das respostas apresentadas?
  • Será que uma vez em cada bimestre dividem os alunos em duplas para um “exame médico” da capacidade da leitura, em que um lê para o outro um texto específico e este atribui ou não à fluidez dessa leitura um “atestado” de saúde integral? O ideal seria que o professor fizesse ele próprio esse “exame”, mais ou menos como quem faz um exame de visão; porém, como essa missão é quase impossível, estabelece as regras e solicita a ajuda da classe. Os alunos que não “passarem” nesse exame deverão exercitar-se para uma outra oportunidade.
  • Será que os professores fazem referências freqüentes às obras que lêem, se é que lêem outras além do livro didático? Será que todos os adultos deixam transparecer seu sentimento de apreço pela cultura? De admiração autêntica aos que lêem mais e expressam-se com maior clareza?
  • A escola promove gincanas ou olimpíadas também culturais, em que exalta, ao lado de esportistas dedicados, leitores apaixonados? Existe um organismo na escola que facilita a publicação de textos preparados pelos alunos? Esses textos são valorizados junto à família e à comunidade?
  • Será que uma vez por mês é possível reservar-se uma aula para que os alunos dramatizem um texto de qualquer conteúdo a partir de pesquisas que envolvem necessidades de leitura? Existem projetos para a realização de obras textuais coletivas?
  • Será que os professores elaboram testes de compreensão de textos específicos à sua disciplina e os aplicam à classe, vez por outra? Esta é uma brincadeira simples, agradável e envolvente que cada professor pode proporcionar com temas relativos ao assunto trabalhado. Basta organizar questões objetivas sobre a efetiva compreensão de um texto específico, fazer uma leitura desse texto em classe, fazer a leitura das questões – podem ser do tipo verdadeiro/falso – que cobrem sua compreensão e solicitar aos alunos que anotem as respostas e avaliem o escore obtido.
  • Será que as provas apresentam questões que realmente estimulem a interpretação de textos?
    Os alunos efetivamente aprendem a buscar sentido nas notícias que lêem? Os assuntos do cotidiano explorados pela mídia impressa são em algumas oportunidades colocados em discussão, propondo hipóteses e sugerindo críticas?
  • Os professores de diferentes disciplinas organizam uma ou duas vezes por semestre “ateliês” de leitura por meio dos quais os alunos são convidados a selecionar textos de seu interesse, apropriando-se das idéias centrais e apresentando-as uns aos outros mediante a supervisão do professor?


Talvez essas sugestões não sejam suficientes para despertar o gosto e a paixão pela leitura, mas ao menos mostram aos alunos que a importância atribuída pelos professores a essa prática não se esgota com a simples observação de que devem ler mais. Além disso, sugerem que ler bastante e bem é utilíssimo para a Língua Portuguesa, mas não é menos importante para qualquer outra disciplina e nem mesmo para a indispensável arte de pensar que todo educador busca construir. Todo educador deve sempre imaginar-se como um “professor de linguagem”.

Texto extraído do livro “Antiguidades Modernas – Crônicas do Cotidiano Escolar” de Celso Antunes, Editora Artmed.

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