Uma biblioteca escolar não é somente um espaço para leitura e desenvolvimento de pesquisa e trabalhos escolares. Quem tem essa imagem está bem equivocado. Uma biblioteca escolar costuma ser um ponto de encontro da galera e, principalmente, um local para paqueras. Sim pessoas! Por entre estantes e livros, olhares se buscam e se encontram para a formação de futuros casais. E como é bonito observar os relacionamentos surgindo. Algumas vezes de forma bem tímida, outras mais ousadas, mas sempre acontecendo. Lembro bem uma situação que aconteceu logo que comecei a trabalhar em escolas. O ano letivo iniciava e todos os alunos estavam em total alegria e costumavam conversar entre grupos de forma animada querendo saber quais as novidades do ano. O que tinham feito nas férias, o que havia “rolado” de bom, as paqueras de férias e, por último, quem eram os alunos novos daquele ano. Como o colégio era relativamente pequeno, um aluno novo que entrasse já se tornava imediatamente conhecido afinal, nada passava desapercebido. Fabrício. Sim, esse era seu nome. O garoto havia se matriculado para o primeiro ano do ensino médio e já era notícia em toda a escola. Todas as meninas queriam conhecê-lo e já corria a notícia que ele era lindo! Um verdadeiro príncipe! Uma bela tarde, guardava alguns livros nas estantes quando entrou uma garota. Tatiana, da 6ª série do período da manhã. Cumprimentou-me, pegou uma revista e sentou-se de forma displicente e passou a folhear a revista sem nem ao menos olhar para ela. Observei que Tatiana não tirava os olhos da porta e parecia inquieta. Isso me atiçou a curiosidade e como conheço os alunos, pensei comigo:
Essa garota está aprontando. O que será que ela está esperando? Ou, melhor formulando a pergunta: Quem ela está esperando que apareça aqui na biblioteca?
- Humm...Oi Tati!!! Tudo bem com você? Precisa de alguma coisa? – inquiri a aluna.
- Ah, oi tia! Ehhhhmm, tia você já conhece o aluno novo do primeiro ano?
- Não. Ele ainda não apareceu por aqui. Mas já ouvi falar bastante nele. Aliás, não se falam em outra coisa nesse colégio desde que as aulas começaram. Por quê?
- Ai tia, ele é lindo demaisss!!! Ai acho que me apaixonei!
- É mesmo Tati? E já conversou com ele?
- Não. Não tive coragem de me aproximar. Mas já tratei de fazer amizade com o irmão dele e já tenho a ficha completa dele.
- Sério mesmo? E como é o irmão dele? Tão bonito quanto ele? Ou mais?
- Não tia! É muito difícil ser tão bonito ou mais que o Fabrício. O Caio é legal, boa pinta, camarada mas...parou aí...Jesus! Tia olha ele entrando!! Humm...
Na mesma hora olhei para a entrada da biblioteca e vi um moço realmente bonito de se ver. Moreno, olhos verdes cristalinos, porte atlético e um sorriso encantador ao se voltar para mim e perguntar se era responsável pela biblioteca.
- Sim. A propósito, meu nome é Roseli e, por favor, deixe mostrar a biblioteca e como ela funciona.
- Obrigada Roseli. Me chamo Fabrício e se tem uma coisa que gosto, essa coisa se chama biblioteca e livros. Adoro ler!
- É mesmo? Nossa! Fico muito contente em saber disso. Um motivo a mais para te mostrar tudo o que temos por aqui.
Enquanto mostrava a biblioteca ao mais novo usuário, Tatiana olhava o rapaz de forma petrificada. Parecia até que não respirava. A todo momento, tentava chamar a atenção do moço mas, em vão voltou para a mesa em que estava, pegou sua revista e de forma dissimulada, fingiu interesse em sua leitura.
Após fazer sua inscrição e carteirinha na biblioteca, Fabrício ficou por ali mais alguns minutos, se despediu de mim e foi embora.
Tati inconformada guardou a revista e, de cabeça baixa se despediu de mim e também se foi.
Por dias, semanas, essa cena aconteceu sem haver nenhuma alteração. Era Tati tentando chamar a atenção de Fabrício e ele, ignorando ela por completo. Já começava a sentir pena da pobre menina apaixonada.
Uma bela tarde após as aulas, a garota chegou e fez a seguinte pergunta:
- Tia, você que já é mulher feita e já tem experiência de vida me diga uma coisa: você acha que o Fabrício nem olha pra mim porque me acha uma criança ainda?
- Puxa menina. Não sei lhe dizer. Você é linda! Não sei, talvez ele seja apenas tímido. Está chegando na escola agora, não conhece ninguém. Talvez esteja estranhando o ambiente e as pessoas. Dê mais um tempo pra ele. Ou melhor, já que fez amizade com o irmão dele, por que não pede para serem apresentados?
- Já pensei nisso, mas ai acho sacanagem com o Caio. Ele vai sacar que só fiz amizade com ele por causa do irmão dele. Chato isso né?
- É. Isso lá é verdade. Ah! Idéia! Eles nunca ficam juntos? De repente, você pode chegar neles, e aí, não vai ter jeito. Caio vai ter que te apresentar a ele. Daí, pra fazer amizade é um dois.
- Já pensei nisso também. Mas toda vez que o vejo me dá uma tremedeira! Que saio correndo tia! Sou uma boboca mesmo né? E fora que está assim de meninas mais velhas e mais bonitas que eu rondando ele o tempo todo!
O tempo foi passando rápido e quando dei por mim, já era época das provas e uma bela manhã chegou uma das orientadoras do ensino médio e pediu um favor muito especial para mim:
- Oi Rosinha!!! Tudo bem? Escuta, preciso de um favor enorme de você e preciso também de sua total descrição quanto ao assunto. Seguinte: sabe o aluno novo do primeiro ano do ensino médio? O galã das menininhas, Fabrício?
- Sim, sei quem é professora. O que tem ele?
- Pois bem. Acredita que na primeira prova bimestral ele foi super mal em todas as provas e isso chamou a atenção de todos afinal, suas notas na outra escola eram altas e de repente, não fez praticamente nada aqui. A questão foi muito discutida entre os professores e decidi ligar para sua mãe. Ao saber disso ela marcou comigo uma reunião pessoal e hoje, ela conversou bastante comigo e explicou que a culpa foi dela por ter se esquecido de um detalhe tão importante como esse. Ela me confidenciou que Fabrício sofre de uma doença nos olhos que está pouco a pouco o cegando e ele, morre de vergonha de usar óculos tão grosso e, como não pode usar lentes de contato, prefere enxergar pouco e faz sempre silêncio com relação a esse assunto. Por isso, ao receber suas provas para resolver, com a fonte das letras normais, ele não conseguia enxergar absolutamente nada a não ser um grande borrão. Conclusão: não conseguindo ler, não fez nada ou quase nada. Então sua mãe pediu para fazermos as provas dele na maior fonte possível para que ele possa ter condições de ler e resolver.
- Uau!! Professora que babado não? E as meninas achando que ele é esnobe por não olhar para nenhuma delas. O coitado apenas não enxerga! Isso que dizer que ele vai ficar cego de vez?
- É Rosinha. Quase isso. A doença tem que praticamente cegá-lo para só então ele passar por uma cirurgia e fazer o transplante de córnea. Agora, voltando ao assunto das provas, por favor, faça num horário em que não tenha ninguém por perto. Conto com seu sigilo tanto com relação a prova, como também em relação a esse assunto da doença que tanto o incomoda.
- Sem dúvida professora. De minha boca ninguém vai saber nada.
E assim foi. Fiz as cópias de todas as provas e Fabrício pôde fazer suas provas de forma confortável recuperando assim suas notas altas afinal o garoto era muito inteligente e um excelente estudante.
Voltando à menina Tatiana, infelizmente suas inúmeras tentativas de se fazer notar por Fabrício foram infrutíferas. Ela até conseguiu fazer amizade com ele, mas parou por ai. Fabrício realmente não conseguia enxergar nela o belo botão em flor que prometia ser. Garota desabrochando pouco a pouco sua feminilidade, mas que ainda não se fazia perceber por ele. Passados dois anos, uma bela manhã quando estávamos a sós na biblioteca voltamos a falar nele e Tatiana num desabafo falou:
- Tia Rose, depois de muito pensar e chorar, decidi esquecer o Fabrício. Não adianta mesmo. Ele jamais vai me olhar de forma diferente. Para ele serei sempre a “menina engraçadinha” amiguinha de seu irmão. Nada mais. É uma pena, pois gostei demais dele, mas quer saber? Tia, conheci um garoto numa festa que fui nesse final de semana que é uma graça!!! E ele está muito a fim de sair comigo e até pegou meu telefone. Vou partir pra outra. Chega de chorar por alguém que nem repara que você existe!
- Tati fico feliz em saber que você já esta partindo para outra. Entendo seu sofrimento, pois na sua idade, também chorei muito por alguns rapazes. É normal, faz parte de nosso conhecimento e crescimento. Em breve ele será apenas uma doce lembrança de sua pré-adolescência.
Conversamos mais um pouco, ela me falou sobre seus planos e após ela ir embora, guardando alguns livros na estante sorri por dentro e ao mesmo tempo em que achava graça na situação fiquei penalizada com a realidade de Fabrício. Um jovem tão privilegiado em sua beleza física que arrancava suspiros pelos corredores do colégio, mas que era incapaz de usufruir dessa sua fama de “Gato” pois não conseguia enxergar um palmo a sua frente. E esse enxergar era ao pé da letra mesmo. Por conta da doença em sua visão ele perdia muitas coisas belas que o rodeavam. Quando estava preste a sair do colégio rumo a um novo emprego fiquei sabendo que sua cirurgia havia sido marcada e que tinha grande chance de ser bem sucedida. Torci muito por ele, pois nutria um carinho muito especial por esse jovem. Nunca mais tive notícias nem dele, muito menos da Tatiana, mas sempre me recordo deles com muito carinho e saudades daqueles tempos.
3 comentários:
Oi,tudo bem? Vim aqui convidar você para participar do primeiro sorteio lá no Blog Balaio de Livros. O livro sorteado é "PAIXÃO E LIBERDADE" de Flavia Crstina Simonelli.
Participe e boa sorte!
http://balaiodelivros.blogspot.com/2011/03/sorteio-paixao-e-liberdade-de-flavia.html
Linda história!!!
A biblioteca serve de cenário para diversos gêneros não achas?
Grande beijo!!!!
Roseli: só hoje tive um tempinho para ler seu post com calma.Menina, isso daria um romance.
Você está acompanhando o caso do menino? e a Tati já aranjou um namoradinho? Ai que pena desses adolescentes.
Beijos
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